Andre Pacheco | 12 de abril de 2013

cine brasil: O terror social do trabalho

“Trabalhar Cansa” (2011) de Juliana Rojas e Marco Dutra é um filme importante na história do cinema como crítica ao trabalho. A história é simples: Helena (interpretada por Helena Albergaria) é uma dona de casa que resolve abrir um minimercado. No mesmo dia que ela visita o imóvel em que pretende desenvolver seu sonho trabalhista, […]

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“Trabalhar Cansa” (2011) de Juliana Rojas e Marco Dutra é um filme importante na história do cinema como crítica ao trabalho.

A história é simples: Helena (interpretada por Helena Albergaria) é uma dona de casa que resolve abrir um minimercado. No mesmo dia que ela visita o imóvel em que pretende desenvolver seu sonho trabalhista, seu marido Otávio (interpretado por Marat Descartes) perde o emprego. Desse ínterim iniciam-se estranhos acontecimentos vindo de todos os lados, principalmente dentro do minimercado.

Filme de estréia de Juliana e Marco, ele foi exibido no Festival de Cannes dentro da mostra Um Certo Olhar, além de conseguir uma Menção Honrosa no Festival de Paulínia.

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Um trabalho estonteante feito numa base irregular.

Explico.

O roteiro possui uma nuance fantástica sobre um sobrenatural vindo da carga do que é o trabalho em si; e do que ele faz nas pessoas e na família.

Mote idealista. Até pueril.

Mas bem pensado, é bom deixar claro.

O que é irregular no roteiro é uma fina mistura de suspense, em forma gradativa que não leva a nenhum clímax, com um problema de cunho trabalhista que perturba uma família médica comum. A ideia reluta em deixar no ar um suspense que advém do que o trabalho representa diante da família.

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A influência dos diretores é assumida de Cesare Pavese e seu livro de poemas “Trabalhar Cansa”.

Talvez só o nome.

Talvez uma assimilação da poética crítica do poeta, romancista e tradutor italiano que se agrega a um painel importante das letras da primeira metade do século XX na Itália.

Mas o que importa mesmo é que o trabalho de Pavese está intimamente ligado num suspense histórico que é o fascismo para ele e para a sua geração.

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Uma grande simbologia que se pode apreciar desse filme é a imagem de seu cartaz. Nele há as pernas de Helena em seu jeans ao lado de uma marreta, em um close que representa muito. Marreta essa que aparece no minimercado, achado por “Seu Antunes” (interpretado por Luiz Serra) atrás de um balcão refrigerado, junto de uma corrente.

Imaginando a forma e o conteúdo da obra, acredito mais no segundo como característica marcante. Já a forma, entendo que poderia ser melhor; ou mais plausível, cinematograficamente falando.

E essa marreta possui uma carga simbólica muito importante no conteúdo da obra. Será com ela que Helena destruirá a parede que emana problemas no minimercado; e na sua vida familiar também.

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Tanto na obra de Cesare Pavese quanto no filme “Trabalhar Cansa”, a ideia de saturação diante do trabalho em si é latente.

E o trabalho possui uma função ideológica que beira o caos, se analisado de forma mais calma. Essa obra de Juliana Rojas e Marco Dutra pega o prumo nessa crítica em um cinema de gênero. No caso, o suspense.

Imagino que esse caminho foi arriscado, claro. Gênero cinematográfico costuma ser mais molde do que propriamente um ensejo. E o que é inédito nisso é esse suspense ser mais uma causa do que um molde nessa obra. Não é através desse suspense que a história e o roteiro se prendem. Ele é o fim como causa atuante que perturba, que causa ruptura, que destitui o clima familiar de sua paz.

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Uma característica em destaque que se sobressai nessa obra é desconfortável. Mais pelo excesso do que pela ideia em si. Basicamentefalando, todos os personagens possuem um olhar frio, distante, amedrontados e impassíveis, lembrando o cinema minimalista de Robert Bresson: pouco desenvolvimento psicológico dos personagens, ou seja, maior uso da técnica mecânica da trama.

Helena, Otávio, Paula (a empregada interpretada por Naloama Lima), Vanessa (a filha do casal interpretada por Marina Flores), a funcionária do caixa do minimercado Gilda (interpretada por Gilda Nomacce)…

Todos possuem uma expressividade de medo e de uma espera de algo pior a vir. Um outro exemplo forte é o personagem da foto (interpretado por Orides Vicente da Silva). Esse um obscuro termo no roteiro que serve de mote para entender melhor a cena principal do filme causado pelo uso da marreta por Helena.

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“Trabalhar Cansa”, superficialmente falando, trata-se de um realismo crítico social junto de um diálogo com elementos do gênero fantástico vindo do suspense. Mas acredito ser muito limitado uma análise assim.

Entendo que há algo incômodo nessa fina mistura. Entretanto há através dessa obra de Juliana Rojas e Marco Dutra um viés novo, um fôlego importante e destemido. Uma lucerna propagando-se nesse cinema brasileiro contemporâneo.

Atuações inexpressivas que transpassa o medo. Um roteiro fiel à simplicidade da crítica ao trabalho em si; mesmo com seu problema. Atributos não faltam a essa obra. Porém o que fica como marca é o simbolismo que certas cenas e certos momentos do roteiro apresentam.

Um simbolismo carregado de uma crítica para o homem que se transforma em coisa. O trabalho e seu asfixiante personalismo que causa nas pessoas é para se pensar. Um engodo, um mero atributo social-cultural que emana na vida das pessoas como uma prisão, uma parede podre e que vai escurecendo a cada dia. Temos nessa obra “Trabalhar Cansa” uma grande crítica a tudo isso.

E a cena da marreta descobrindo um silencioso segredo que clareia a aparição do cachorro que encara Helena na frente de seu minimercado é o ápice.

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A cena final, onde Otávio expressa todo sua liberdade, é uma das cenas mais fortes dessa obra. Imagino que ela deva falar por si mesma. Preste atenção, você leitor, quando for assisti essa cena.

Ela pode lhe dar um resumo do que esse filme representa e do que ele pode nos trazer como reflexão ao trabalho em si.

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Uma sensibilidade crítica pode ser apreciada nessa obra. E trata-se da passividade humana em seu dia-a-dia trabalhista. Nós temos vários exemplos e poéticas criticando e demonstrando esse mundo desde o começo do século XX no cinema; filmes grandiosos cada qual na sua forma e crítica escolhida.

Filmes como “Tempos Modernos” (1936) de Charles Chaplin, “As Vinhas Da Ira” (1940) de John Ford, “Ladrões De Bicicleta” (1948) de Vittorio De Sica, “São Paulo S/A” (1965) de Luís Sérgio Person, “A Noite Dos Desesperados” (1969) de Sydney Pollack (o melhor filme sobre a Grande Depressão americana!), “A Classe Operária Vai Ao Paraíso” (1971) de Elio Petri (um drama do proletariado por excelência!), “Trocando As Bolas” (1983) de John Landis (mesmo sendo uma comédia pastelão, é uma grande crítica ao trabalho e sua ganância na era dos yuppies), “Wall Street, Poder E Cobiça” (1987) de Oliver Stone, “Ou Tudo Ou Nada” (1997) de Peter Cattaneo, “Billy Elliot” (2000) de Stephen Daldry…

“Trabalhar Cansa”, mesmo não estando no mesmo nível dessas obras, coloca-se nesse patamar. Está entre eles.

“Todo trabalho trabalha para fazer um homem ao mesmo tempo que uma coisa”.

 Emmanuel Mounier