Suporte NeoImagine | 21 de outubro de 2012

Especial Adaptações Literárias – O Poderoso Chefao

Por razões óbvias mudanças de enredo são feitas quando se passa uma narrativa de um meio para outro. Há de se considerar o tempo para sua fruição, a estrutura material envolvida, as abordagens que podem ser mais eficientes. Dessa forma, discutir a fidelidade de um filme à obra que o inspirou pode ser irrelevante justamente […]

Por razões óbvias mudanças de enredo são feitas quando se passa uma narrativa de um meio para outro. Há de se considerar o tempo para sua fruição, a estrutura material envolvida, as abordagens que podem ser mais eficientes. Dessa forma, discutir a fidelidade de um filme à obra que o inspirou pode ser irrelevante justamente porque modificações são feitas. Nesse sentido, é interessante pensar nas diferenças narrativas entre o livro O Poderoso Chefão de Mario Puzo  e a trilogia homônima de Francis Ford Coppola.

O livro de Puzo – que consta nos créditos de O Poderoso Chefão (1972) e O Poderoso Chefão–Parte II (1974)tenta abranger diversas facetas de personagens ítalo-americanos tocados pela família Corleone. Assim, além dos negócios diretos da máfia, há um sem número de subtramas que envolvem personagens coadjuvantes; assim, Johnny Fontane, por exemplo, ganha por diversas vezes o foco sobre si. Além destas subtramas, o livro de Puzo parece mais interessado justamente na exposição da máfia e de suas estruturas familiares.

A adaptação para o cinema feita por Coppola (vale lembrar que o roteiro dos três filmes também foi feito por Puzo) altera de modo sutil mas muito significante o foco da narrativa. Sim, de fato há atenção para o modo de vida ítalo-americano e para a exposição pura das estruturas mafiosas, mas o interesse do filme é demonstrar tanto mais a ascensão e brutal queda de Michael Corleone.

Único filho de Vito cujo futuro foi pensado de modo legítimo (e não por acaso o único com nome em inglês), Michael é visto, no início do primeiro filme, como alguém que reprova os negócios escusos dos Corleone ao mesmo tempo que ama sua família. Em última instância, é justamente esse amor que causará sua decadência. É pelo amor à família – para defender o pai – que Michael se envolve com a familia mafiosa, tornando-se brutal com seus inimigos. Michael leva às últimas consequências a sinonímia das famílias (a de sangue e a mafiosa): ao final do segundo filme, já vemos que aquele jovem cujo envolvimento com o crime se deu por amor ao pai foi substituído por um homem cruel e que para proteger seus crimes, não hesita em atacar a própria família. A terceira parte da trilogia consiste na busca desesperada de Michael por redenção – e na percepção tardia que não conseguirá; está tão intimamente ligado às famílias que a violência da máfia atinge sem qualquer impedimento a família de sangue. Nada resta a Michael Corleone senão um patético, solitário e melancólico.

O livro de Puzo, embora tenha as sementes de todo esse enredo de ascensão e queda se furta de enfatizá-lo. Vê-se no livro a mudança de Michael, mas o fato de a máfia tomar conta da narrativa acaba por tornar as atitudes do personagem simplesmente com resignação. Coppola e Puzo, nos filmes, enfatizaram justamente a mudança do personagem e sua percepção dos erros cometidos. Nesse sentido, Coppola e Puzo pegam um material interessante e até burocrático e o transformam em uma tragédia absoluta.