Fernanda Rodrigues | 31 de janeiro de 2012

Por um Cinema Nacional mais Político

Na semana passada, o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, teve uma cena destoante da tradicional cordialidade do brasileiro. Os cineastas Marco Dutra e Juliana Rojas, cujo primeiro longa, Trabalhar Cansa, era reconhecido como destaque cinematográfico de 2011 pelo júri do Prêmio Governador do Estado, criticaram abertamente a violenta ação policial do governo na […]

MarcoDutra-e-JulianaRojas

Na semana passada, o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, teve uma cena destoante da tradicional cordialidade do brasileiro. Os cineastas Marco Dutra e Juliana Rojas, cujo primeiro longa, Trabalhar Cansa, era reconhecido como destaque cinematográfico de 2011 pelo júri do Prêmio Governador do Estado, criticaram abertamente a violenta ação policial do governo na comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos, interior de São Paulo.

Segundo a Folha de S. Paulo, a poucos metros do secretário estadual de Cultura, Andrea Matarazzo – um dos pré-candidatos do PSDB à prefeitura da capital –, a dupla começou o discurso agradecendo educadamente o prêmio de R$ 60 mil. “A gente precisa disso pra continuar trabalhando”, disse Dutra. Mas logo em seguida mudou o tom, dizendo que ele e a parceira não conseguiam “ser frios” à realidade em volta, e Juliana começou a ler uma moção de repúdio à reintegração de posse do Pinheirinho.

“Vence mais uma vez a política do coturno em prol do capital”, disse ela. “E o governo do Estado lavou as mãos sobre o caso.” Ainda segundo a Folha, o governador, Geraldo Alckmin (PSDB), chegou menos de um minuto após o fim do discurso, acompanhado da mulher – provavelmente com o tradicional sorriso de chuchu. O secretário de Cultura, depois da cerimônia, disse ao jornal que a dupla tinha direito de fazer o discurso, mas que ele endossava a ação policial.

Para alguns, pode parecer ingratidão da dupla, já que o governo alvo da crítica era o mesmo que lhes dava um polpudo cheque como prêmio. Eu acho que não tem nada a ver; aliás, pra mim, isso torna ainda mais simbólico o ato. Não é porque eles estão na posição mais frágil dessa relação de mecenato que devem assumir um ar subalterno, baixar a cabeça para qualquer esmola que o governo lhes possa dar.

Talvez eles nunca mais ganhem nenhum prêmio estadual, talvez até fiquem “marcados” em premiações de todo o País – mas isso, para Juliana e Dutra, não parece ser um problema. Ou, se for, é menor do que a ação no Pinheirinho. Como eles mesmos disseram, não conseguem “ser frios” à realidade – a necessidade de se expressar sobre um tema é maior do que as consequências que essa expressão pode ter. Isso não é arte?

O filme dirigido e roteirizado pela dupla, aliás, expressa muito bem essa incapacidade de “ser frio” ao mundo em volta. Por um lado, mistura drama e crítica social ao contar a história de uma dona de casa de classe média que resolve montar um mercado de bairro após ver o marido perder o emprego. Por outro, elementos sobrenaturais dão um toque de terror e suspense ao filme – uma ferramenta para fazer o espectador refletir sobre a história de outra forma, de acordo com Dutra.

Paulo Roberto Pires fez uma crítica muito elogiosa na Bravo!, afirmando que a produção é um dos melhores filmes brasileiros dos últimos tempos. Com orçamento de R$ 2,4 milhões, “Trabalhar Cansa” esteve na seleção oficial de Cannes e de Brasília, e foi premiado em Paulínia. E é só o primeiro longa-metragem de Juliana Rojas e Marco Dutra – a dupla já havia feito três curtas. Que venham muito outros.