Igor Lino | 11 de agosto de 2011

A Árvore da Vida | Crítica

O filme começa com uma citação de Jó, um versículo da Bíblia, ao som de cantos gregorianos. Fica claro desde aquele momento que “A árvore da vida” vai tirar Deus de seu trono, cutucá-lo, questioná-lo. E Ele aparece em diversos momentos como uma luz, uma força, uma energia criadora, conceitualmente onipresente. Quando a senhora O’Brien […]

O filme começa com uma citação de Jó, um versículo da Bíblia, ao som de cantos gregorianos. Fica claro desde aquele momento que “A árvore da vida” vai tirar Deus de seu trono, cutucá-lo, questioná-lo. E Ele aparece em diversos momentos como uma luz, uma força, uma energia criadora, conceitualmente onipresente.

Quando a senhora O’Brien (Jessica Chastain) descobre que seu primogênito morreu, pergunta a Deus o porquê disso, e põe em questionamento a fé pela dor. Através de uma metalinguagem extremamente sensível e esteticamente bela, somos apresentados poeticamente a cenas sobre a evolução da Terra como um todo, desde o Big Bang, passando pelas divisões celulares, evolução das espécies, dinossauros, asteroide – o que é até irônico, já que a teoria evolucionista contraria o criacionismo pregado por algumas religiões – numa sequência que seguramente vai entrar para a história do cinema. E este Deus, que é ausente de respostas para a mãe, se representa por sua perfeita criação. Explica metaforicamente que a vida é feita em ciclos, e se o ciclo de seu filho se findou, é porque a natureza quis assim.

Aliás, a natureza é extremamente presente no filme todo, quase como outro personagem. Não é possível esquecer sua força por nem um instante. A narrativa mostra o tempo todo a beleza e poesia inerentes à própria existência e aos caminhos naturais que a vida toma. O céu, a água e, claro, as árvores, são os únicos elementos que testemunham a evolução da Terra e da história do filho, estabelecendo uma ligação sutil. O recorte da história do filho é contado mostrando também sob esta visão de uma evolução pessoal enquanto parte daquele Universo: aprende, reconhece o mundo à sua volta, divide atenção, sente medo, respeita, ousa, apaixona-se, conhece a morte.

Conforme o menino cresce, apesar do enorme prazer que é sua relação com a mãe, percebe cada vez mais ser parecido com o pai. Sr. O’Brien (Brad Pitt) é rígido e quer ensinar aos filhos sobre a vida, e o faz com muita aspereza. A transformação do personagem do filho é primorosa. Passa de um menino doce a uma criança agressiva, e até copia gestos do pai, como o hábito de meter as mãos nos bolsos. A sensação de gradação no filme é clara: primeiro conhecemos a alegria nos olhos da infância para depois vê-la se corromper. E tudo, absolutamente tudo, ficou marcado na história da vida de cada um dos filhos do casal; este Deus, a infância, as experiências boas e as ruins.

Este filme não foi feito para ser visto, apenas, mas sentido integralmente. Não tem pressa. Assim como a Bíblia, é recheado de metáforas e significados implícitos, que o torna sentimental e racionalmente exaustivo – no bom sentido – para quem estiver disposto a absorver e digerir tantas referências. Na maioria das vezes, as mensagens são passadas de forma não tão óbvia, e é preciso estar bastante atento.

As atuações estão fantásticas, com destaque especial para o elenco infantil. Conseguem extrair deles a dose certa de emoção que o filme pede. O trabalho de câmera (na mão, quase todo o tempo), os cortes; nada é simples. Tudo muito bem pensado para falar muito mais do que os diálogos, que são até escassos. A Palma de Ouro em Cannes é merecida por todo o conjunto da obra: é extremamente poético, inteligente, belo.

O único lamento é que as exigências de Terrence Malick para a projeção – como razão de aspecto, luz e som diferentes – não serão seguidas pelos exibidores brasileiros, já que sequer na apresentação para a imprensa foram atendidas. E, claro, o público mediano que não está querendo pensar um pouco, provavelmente levado por Brad Pitt e Sean Penn às salas de cinema, sairá decepcionado no meio da sessão.

“Árvore da vida” dá um nó na garganta e um frio no estômago como há tempos não sentia, e como apenas uma obra de arte consegue causar tão bem. É daqueles filmes únicos que, sem dúvida, as próximas gerações irão usar como referência.

Direção: Terrence Malick
Roteiro: Terrence Malick
Duração: 139 minutos.
Elenco: Brad Pitt, Sean Penn, Jessica Chastain, Laramie Epper.

Por Victor Gouvea