André Sobreiro | 9 de julho de 2011

Especial Rock – Taking Woodstock

Se você não viveu escondido na caverna pelos últimos cinqüenta anos, deve ter pelo menos ouvido falar do festival de Woodstock, realizado na desconhecida White Lake, Estados Unidos, entre 15 e 18 de Agosto de 1969. O festival foi o grande catalisador de tudo o que se convencionou chamar “flower Power”. O filme, Aconteceu em […]

Se você não viveu escondido na caverna pelos últimos cinqüenta anos, deve ter pelo menos ouvido falar do festival de Woodstock, realizado na desconhecida White Lake, Estados Unidos, entre 15 e 18 de Agosto de 1969. O festival foi o grande catalisador de tudo o que se convencionou chamar “flower Power”.

O filme, Aconteceu em Woodstock, romanceia a história de como o festival tomou corpo. Essa história gira em torno da figura excêntrica de Elliot Teichberg (Demetri Martin), um artista que sai de Nova Iorque para ajudar seus pais em um motel quase falido na cidadezinha de White Lake. Teichberg é um sujeito abobalhado e infantilizado por sua criação castradora de sua mãe envelhecida pela vida e por um pai que surge como um vegetal vivente.

Ang Lee, dirigiu essa pretensa comédia com muito zelo e tentando a todo custo, misturar a história real, levantar bandeiras e ainda divertir a audiência. Muita pretensão, na minha modesta opinião.

Nessa salada confusa, a reconstituição de um período de tempo funcionou bem. Estão presentes os principais (não consegui me lembrar de mais alguém que foi importante e foi esquecido pelo filme) responsáveis pela idealização, criação e administração do festival. Michael Lang, John Roberts, Joel Rosemann e Artie Kornfield (criadores), Max Yasgur (dono da fazenda onde foi realizada o festival e que ganhou uma homenagem da banda Mountain com a canção “For Yasgur’s Farm”) e até mesmo o documentário Woodstock foi lembrado, já que o diretor usou a estética documental para ilustrar a chegada das pessoas ao festival.
, observando as ações, simulando uma equipe de reportagem. Ainda no campo documental, Lee novamente (como havia feito em Hulk) usa dos quadros divididos na montagem do filme.

Mesmo Elliot sendo (teoricamente) o personagem principal do filme, são seus pais que roubam as cenas. Henry Goodman (o pai) a partir da convivência com esse clima leve e descompromissado, liberta-se de sua vidinha patética e passa a ver o mundo com outros olhos. Imelda Staunton (sumindo brilhantemente dentro do papel) é a mesquinha e insuportável mãe de Elliot, Sonia. Uma mulher morta por dentro, apodrecida pelo tempo, pelo medo e por sua personalidade. Egoísta e patética. Um personagem detestável e brilhantemente interpretado.

O filme é recheado de coadjuvantes interessantes, vindo desde o já citado Max Yasgur (Eugene Levy, mostrando que é muito mais do que escada para a medonha série American Pie), Paul Dano (numa ponta como um hippie chapado), Emile Hirsch (como um soldado perturbado pela guerra do Vietnã, que encontra no festival seu grito de libertação frente a seus traumas e medos) e um impagável Liev Schreider como um travesti que rouba todas as cenas em que participa.

E justamente em seu ponto mais forte, os brilhantes coadjuvantes, é que reside o calcanhar de Aquiles do filme de Lee. Primeiro porque apesar de se esforçar, Demetri Martin é um ator limitado, que é eclipsado em todas as cenas por coadjuvantes mais interessantes que seu personagem. Nas cenas em que divide a tela com Goodman e Staunton então, é covardia.

O outro problema causado pela enorme quantidade de coadjuvantes razoavelmente relevantes na trama, é que muitos entram e saem da trama sem muito a dizer ou fazer. Peguemos o personagem de Jeffrey Dean Morgan, que começa o filme parecendo ser importante para ser sumariamente esquecido no meio da projeção.

Outro problema é o ritmo, que é cambaleante. Começa como um “feel good movie”, leve e divertido, com as pessoas chegando à fazenda e os acertos para a realização da festa, os apuros da família para se adaptar a multidão que chega para ver o festival, as formas inusitadas que a mãe de Elliot arruma para ganhar dinheiro dos hippies, a trupe teatral bizarra (no melhor estilo “arte para gente inteligente”) que mora no celeiro e a bizarra entrevista coletiva de Elliot, onde chapado acaba dizendo (trocando em miúdos) que o festival era livre e gratuito, resultando na inacreditável soma de 500 mil pessoas visitando White Lake em quatro dias de festa.

Porém, na metade final Lee parece esquecer tudo, e aposta suas fichas na pura e simples “jornada de descoberta” do personagem, que surge fútil e acelerada. A comunidade que parecia funcionar como a âncora do puritanismo chato e racista na primeira metade do filme, é reduzida a figuração. Esqueceu-se completamente do assunto que ele mesmo abordou. Não dá pra se convencer que uma misera entrevista coletiva ia resolver os problemas com os moradores.

Tanto não resolvem que o diretor acrescenta duas desnecessárias sequências. Uma envolvendo garotos que picham ofensas anti-semitas e outra que envolve um medíocre protesto da população contra o festival. Gratuitas e demonstrando a tal falta de ritmo e foco.

A impressão final do filme (pelo menos a minha) é a de que para Lee, o impacto causado pela festa numa geração foi tão grande que mudou a percepção de todos sobre o mundo. Para ilustrar isso, o diretor (que não é americano e talvez tenha tido conhecimento do evento apenas pelo jornal e olhe lá) caprichou na coleção de frases de efeito, efeitos alucinógenos para o uso de ácido (muito bonitos), “libertação de sentidos” por meio do exercício do “todo mundo nu” e todo o cardápio de clichês de filmes sobre a época.

Depois do sucesso de Brockebeck Mountain, que funcionou por ser centrado em dois bons personagens e em duas interpretações inspiradas, Ang Lee resolveu voltar ao cinema “relaxando”. Relaxou demais, e não soube ser profundo o bastante para sair-se com um drama e nem leve o suficiente para consolidar uma boa comédia.

Por Alexandre Landucci