Salada de Cinema entrevista Edu Felistoque, diretor de ‘Inversão’
Você se lembra o que aconteceu em 12 de maio de 2006? Os paulistanos certamente terão essa data mais fresca na memória. Este foi o dia em que São Paulo parou com medo da onda de violência em diversos pontos da cidade. “Inversão”, de direção de Edu Felistoque e que estréia nesta sexta-feira, dia 27 […]
Você se lembra o que aconteceu em 12 de maio de 2006? Os paulistanos certamente terão essa data mais fresca na memória. Este foi o dia em que São Paulo parou com medo da onda de violência em diversos pontos da cidade.
“Inversão”, de direção de Edu Felistoque e que estréia nesta sexta-feira, dia 27 de maio nos cinemas, está inserido no contexto de perplexidade da sociedade brasileira diante de tamanha brutalidade dos acontecimentos. Mas ao invés de reforçar o discurso do senso comum, Felistoque quis mostrar a decadência de valores morais da classe media brasileira.
Personagens em mutação de caráter são os destaque dessa trama que envolve poder e trapaças que força no espectador uma reflexão sobre quem são os verdadeiros vilões dessa história: os ditos bandidos ou a sociedade?
O Salada de Cinema bateu um papo com Edu Felistoque que contou como ele quis passar a mensagem no “Inversão”, suas influências do gênero documental para contar a história e como chegou na escolha das principais personagens. Acompanhe:
Salada de Cinema – Edu, como surgiu a ideia de filmar “Inversão”?
Edu Felistoque – Surgiu na época em que eu estava rodando um documentário, ainda inédito com título provisório, “Território 9ponto 8”, sobre uma região em São Paulo que era uma “porta de entrada” da imigração e migração, que foi importante, próspera e rica, e hoje se discute, se esta região da Mooca, Brás, Pari esta em transe ou transição.
Surgiu também na mesma época, em que o amigo e diretor de fotografia do “Inversão”, Caco Souza, estava no início da ideia de rodar o seu longa, “400 contra 1, uma história do comando vermelho”, que mais tarde eu participaria como produtor cinematográfico.
O roteiro do “Inversão” é um mix de depoimentos que tomei no documentário e fatos que aconteceram com pessoas bem próximas a mim, ou até comigo mesmo!
A idéia era rodar um filme que poderia ser “entretenimento”, mas que também pudesse proporcionar reflexão. O roteiro teve início em 2002.
Salada de Cinema – “Inversão” é um olhar da classe média ou um olhar sobre ela diante do 12 de maio?
Edu Felistoque – Totalmente um olhar sobre a nossa classe média, que na minha opinião, encontra-se falida de conceitos positivos e equivocada com o poder patético da riqueza, da aquisição de bens, e que exibi suas vantagens sobre todos, num eterno campeonato de poder, entre a própria classe média e sobre os chamados, por eles, “diferenciados”.
Parece até má “profecia”, eu digo que, “o filme foi baseado em fatos que ainda vão acontecer”, isso porque está muito claro o futuro da classe média brasileira, se não houver uma retomada de consciência.
Pegando emprestado a frase de Nando Reis: “O mundo está ao contrário e ninguém reparou” muito cantada por Cássia Heler , a gente consegue entender o titulo do filme “Inversão”.
Os acontecimentos de 12 de maio são um “pano de fundo” para o filme, esse fato, que foi mostrado pela mídia de forma absolutamente exagerada tornou- o maior do que foi, e isso por muito tempo (até hoje) encobre os também culpados de toda essa violência, as classes privilegiadas, com destaque a classe média.
Fiquei assustado em um debate do filme, quando ouvi a frase de um anônimo na plateia “…esse filme colocou os bandidos no lugar certo!” Resolvi usar no pressbook para despertar reflexões e discussões, pois o fim dos bandidos (inclusive bandidos da classe média) do filme “Inversão” é um fim muito discutível e eu não acredito na justiça com as próprias mãos, porque no calor da ação podemos cometer grande e graves erros, mas da forma que nossa justiça é lenta e muitas vezes “injusta”, acho que a sociedade perde um pouco a paciência e comete crimes… esses crimes seriam “legítima defesa?” Como sempre meus filmes perguntam mais do que respondem.
Salada de Cinema – Como foi a escolha dos atores para o elenco do filme? Quais características você considerou para a atriz (Marisol Ribeiro) viver a delegada?
Edu Felistoque – A personagem “Delegada Juliana” foi baseada na vida de uma pessoa que conheci intimamente, uma jovem mulher, que recém formada, prestou concurso para polícia civil, passou, e em muito pouco tempo já estava exercendo o poder dessa profissão nas ruas.
O que me chamou a atenção foi a transformação dessa quase menina, em uma delegada, os conceitos de uma jovem recém formada querendo mudar o mundo (pra melhor) e que após um ano se encontrava rendida (ou vendida) ao um sistema policial e as circunstâncias de uma profissão “gerenciada” por homens .
A atriz teria que ser uma jovem frágil, e que se demonstra-se em muitas vezes, bonita, e outras sem graça e até feia, tímida, com a voz “pequena” e calada sem poder, e depois, com muito poder, arrogante e violenta. Encontrei após vários testes a Marisol Ribeiro que é fisicamente (e incrivelmente) parecida com a pessoa que deu origem a delegada Juliana.
Mais tarde repeti a dose na série de TV, BIPOLAR, com a também talentosíssima atriz Sílvia Lourenço.
Sobre a “Mila”, personagem vivida por Giseli Itié, eu tinha em mente uma mulher muito sofisticada, bonita, bem vestida, conhecedora do mundo dos negócios e com muito poder e que jamais a gente acreditaria que ela poderia cometer um crime bárbaro. A personagem de Giseli Itié também foi inspirada em várias mulheres, que na vida real, principalmente na profissão, perdem o brilho e se tornam amargas, prepotentes, quase como “homens de saia” para suportar a pressão da sociedade, principalmente de homens que ela tem que liderar.
O filme “Inversão” é uma “menina” e não “menino”.
Salada de Cinema – Podemos dizer que o filme é uma ficção com características de documentário?
Edu Felistoque – Sim, Luz e a câmera documental já nos mostra isso, a câmera não é “nervosa” ela é uma câmera atenta aos olhares dos atores, ou seja, a lente se movimenta de acordo com os olhares dos atores (esse efeito foi feito em 90% na pós – produção).
Existia um desejo muito grande de não usar uma linguagem “analgésica” como os filmes da Globo Filmes (risos) até gosto bastante de comédias românticas, aproxima o público do cinema e deixa a gente relaxar, mas queríamos enquadramentos livres do convencional plano e contra plano, queríamos a luz crua, desconfortável , e tudo isso é muito encontrado em documentários. (Mas também eu não tenho a pretensão de “revolucionar o cinema nacional”)
Salada de Cinema – Quais são seus futuros projetos no cinema?
Edu Felistoque – A segunda temporada da série de TV “BIPOLAR” que foi inspirada no longa “Inversão”, o longa “Photografia A Coisa Maluca” que é uma comédia romântica, mas que não abandona a reflexão sobre viver nesse nosso mundo.
Trailer de Inversão:
Por Fernando Império, editor chefe